Conheci o Nery, sentado num pequeno banco, na margem do canal do Rio Perequê-açu em Paraty. Eu estava acompanhada e enquanto caminhava animadamente pela via, ele chamou minha atenção. Decidi voltar.

Segurava delicadamente um lápis na mão, enquanto se preparava para iniciar os primeiros traços, em um caderno retangular.

Apoiava o caderno no colo, encima de um pedaço de papelão.

O dia estava alegre, o céu revestido de azul intenso e para proteger-se do sol, usava um confortável chapéu bege de abas largas, que combinava perfeitamente com sua camisa polo de cor grená.

Nery nasceu no Paraná e está com 70 anos agora.

Aprendeu a desenhar para sobreviver, ele me conta que foi alguém que segurou na sua mão e o ensinou a fazer pequenas bolinhas. Ele gostou.

Foi hippie, usou drogas e se separou. É um passado que passou, diz o Nery, enquanto noto um leve tom de tristeza no seu olhar.

Pergunto sobre sua família e ele responde que está em Minas Gerais, depois reflete um pouco e completa, na realidade se a família não está junta, então não é família.

Se emociona ao me relatar que encontrou um guru de verdade, um rapaz colombiano que lhe mostrou um jeito de colocar os sentidos no presente. Entendeu que felicidade é o que se vive agora, neste exato momento, sem pensar muito, apenas sentindo e admirando o que está à sua volta.

Morou numa ilha onde aprendeu a pescar. Pescava para comer, se divertia.

Em Paraty, onde está há 40 anos, tem agora seu abrigo, mora num lugarzinho por onde a água passa. Ele diz que ali a água nunca vai secar.

Paraty no desenho de Nery, Julho 2018

Nery se orgulha de ter parado com as drogas e, enquanto observa os pássaros que passam, comenta que foi o desenho que o resgatou. Logo depois sorri e com alegria deduz: “Sempre tive alma de artista”.

Ele está sozinho, mas é um sozinho bom, porque ele precisava ficar assim.

É complicado para ele ficar com os outros porque cada um tem uma história, um livro na cabeça ou mil livros… sei lá, cada um tem mil histórias. Sábias palavras que ouço com atenção, é o poder das histórias e onde elas podem nos levar.

Nery prefere ficar assim, em paz, desenhando e conversando com estranhos, como eu, enquanto observa as palmeiras e as cores do barco na margem contrária do local onde nos encontramos.

Um belo encontro do acaso.

Boa sorte Nery!

Com Nery em Paraty, 2018