
Após construir família e perceber as ramificações que esta poderia alcançar, senti uma enorme necessidade de buscar mais informações sobre meus antepassados e assim conhecer e sustentar a minha própria história.
No início, a ideia era buscar mais dados sobre meus pais que já faleceram, especialmente da minha mãe que morreu quando eu tinha 11 anos. Comecei esta jornada contatando amigos e familiares próximos, quem sabe eles teriam fotos ou registros que pudessem compartilhar comigo. Foi nesse momento que a Conceição Jucá, prima do meu pai, caiu do céu. Ela não só me levou na fazenda da nossa tetravó como também me apresentou o Mauro, outro primo, que na realidade se revelou um grande colecionador e historiador nato.
A cada encontro com meus familiares fui percebendo que algo de extremo valor estava nascendo a partir desses laços que estávamos resgatando. As histórias que me contavam eram cheias de detalhes e alegria, com pessoas e acontecimentos que eu desconhecia, mas que iam ganhando vida e movimento quando pude ver seus rostos e corpos em cada foto, em cada registro.
Uma pessoa me levava a outra, e outra e outra, e assim em menos de um ano, multiplicou significativamente o número de pessoas que estavam sempre prontas para me contar um pouco mais da minha ancestralidade. Conheci familiares que vinham trabalhando na árvore genealógica paterna e tinham conseguido levantar quase 10 gerações a partir de minha geração, cujos registros mais antigos datavam de 1669.
Refleti sobre o cuidado e a curiosidade desses membros da família por terem iniciado e alimentado esta árvore genealógica tão extensa, me perguntando, o que nos leva, num determinado momento, a querer olhar para o passado e buscar todas essas lembranças? Foram muitas gerações que se encontraram e mudaram completamente seus destinos, saindo de países e até de continentes para construírem vidas totalmente diferentes. Quantas dificuldades não enfrentaram pelo caminho sem nunca abandonar a esperança? Quantos segredos teriam se apagado com o tempo?
Tomei conhecimento que na nossa família trazemos com honra ancestrais de linhagens nativas como o da índia Rita da Estrela casada com o cacique Antonio Barbosa. Temos muitas Marias e também Antônios e Josés, vindos de Portugal e Espanha, o que despertou muito a minha curiosidade porque nas histórias foram mencionados os “mouros” da Espanha, vindos do norte da África. Não por acaso, no Ceará há muitos descendentes árabes, o bisavô dos meus filhos é libanês inclusive. Uma coisa eu sei, os que fincaram raízes em terreno nordestino fizeram bonito: temos Capitães Mor do Ceará e outros revolucionários, como o Major Facundo, cuja história pode ser encontrada até nas páginas da internet.
Estas belas imagens que foram chegando aos poucos nas minhas mãos, provocaram grande emoção, por isso decidi homenagear estas pessoas, da minha família, falando sobre elas e assim contribuir com esta preciosa teia que mantem viva nossa história.
“Imensa gratidão pela imensidão dos seus sonhos que, de alguma forma, são hoje a minha realidade.” (Oração a Todo o Sistema Familiar)
- Maria Romana Tavares de Sousa – tetravó paterna (1845)
- Maria Victorina Veloso Jucá – Bisavó (1864)
Esta história começa no Ceará, em fevereiro de 1845, no sitio Jacu, na Serra do Machado, Itatira, onde nasceu minha tetravó paterna Maria Romana Tavares de Sousa . Ela casou em 1863 com José Antonio Veloso, meu tetravô. Ficou viúva cedo, casou depois com João Crisostomo, mas não tiveram filhos.
Maria Victorina Veloso Jucá, minha bisavó paterna, por parte de mãe, nasceu em maio de 1864 e foi a única filha de Maria Romana e José Antonio. Casou com Antonio Pinto Jucá e tiveram oito filhos. Como sua mãe não conseguiu ter filho homem, ela acabou doando seu primogênito para ela, num gesto de enorme generosidade.
Tinha posses por parte dos seus pais como também do seu marido. Era uma mulher preparada, ela tinha estudado na capital, mas também tinha o dom da cura, como foi citado em alguns relatos. Ela era muito doce e amável, assim como uma excelente parteira. Como o padre de sua cidade condenava seu dom de cura, assim como as visões que tinha com frequência, ela decidiu sair da cidade e foi morar na fazenda da família, assim poderia ajudar as pessoas que a procuravam.
Me emociono sempre que penso nela, sinto como se ela estivesse sempre me acompanhando. Quando vejo sua foto com o cabelo cuidadosamente arrumado num coque, no alto da cabeça, me remete a um lugar muito familiar, é como se fosse possível ouvir sua voz ou sentir o toque de suas mãos sempre com extrema humildade. Essas histórias me fazem sentir muito acolhida pela meus antepassados.
Uma das histórias que ficou registrada em mim foi a de uma mulher que vinha sofrendo com as dores do parto por três dias e como chovia muito, não podiam levá-la para a cidade, já que o rio não dava acesso. As pessoas da redondeza foram pedir ajuda e ela acabou indo a cavalo, na companhia de alguns homens que a auxiliaram na travessia do rio e ao chegar, em menos de meia hora, a senhora deu à luz e a criança nasceu sem nenhuma sequela física do sofrimento passado.
Seus oito filhos foram: José (1887), o primogênito doado para sua mãe, Maria Andrelina (1889), Francisco de Assis, Odilon (1892), Hervencio (1894), Aleardo (1896), Fenelon (1899) e por último, a caçula Maria Ornezinda (1900).
Eu tive o prazer de conhecer meu tio avô Odilon. Aos 98 anos tinha uma memória espetacular, lembrava do nome e sobrenome dos colegas de classe de todos os anos da escola onde estudou. Diziam inclusive que ele tinha boa memória porque sua orelha era muito grande e eu como criança, na esperança de ficar igual a ele, media minha orelha de tempos em tempos. Coisas de criança!!
Maria Ornezinda Veloso Jucá, caçula de minha bisavó Maria Victorina, casou com Francisco de Assis Sousa Filho. Ambos nasceram em 1900 e tiveram seis filhos, um deles, Francisco Airton Jucá Sousa, era meu pai.
Eu tive o privilégio de nascer na casa deles na fazenda “Passagem de São José” e costumo brincar com minhas primas dizendo que eu fui a única neta que, ao nascer, ganhou um terço de prata da vovó. O guardo até hoje. Quando já estava bem velhinha, perto de falecer, ela me presenteou com sua máquina de costura, que na época ainda era bem útil e valiosa. Faço questão de conservá-la funcionando até hoje, ainda quero fazer muitas coisas com ela.
Francisco Assis de Sousa, nascido em 1870 e Mercês Viana Sousa, nascida em 1884 foram os pais de Francisco de Assis Sousa Filho, meu avô.
Este senhor de gravata é meu bisavô materno, Emídio Facundo Carneiro, ele nasceu em 1892. Do seu lado, a mulher franzina é a sua esposa, Cosma Carneiro de Oliveira, minha bisavó materna, nascida em 1888, que coincidentemente também é sua tia. Ela é irmã da senhora que está no meio da foto, que vem a ser a mãe do Emídio. Parece que dá um nó quando a gente vai contar, mas é assim mesmo, a esposa que também é tia, a mãe que também é sogra e assim vai….
Eles tiveram oito filhos.
Nair Facundo Carneiro, uma das filhas, é minha avó materna, ela nasceu em 1923 e se casou com Manoel Alves do Vale, meu avô materno, que nasceu no mesmo ano.
Tiveram quatro filhos, mas Nair faleceu no último parto aos 35 anos e dali em diante meus bisavós que cuidaram dos netos.
Sempre ouvi histórias de muito amor deles, que eram pessoas muito boas; meu bisavô Emídio, apesar de muito fechado era uma pessoa bondosa e muito próspero também.
Minha mãe, Maria das Graças Facundo Sousa que nasceu em 1949, coincidentemente também veio a falecer com a mesma idade de sua mãe, Nair, aos 35 anos de idade.
Tenho poucas lembranças dos meus pais e temos pouquíssimos registros deles com a gente. Quando vejo esta foto acima, onde estou com minha mãe e meu pai, sinto uma emoção tão grande e ao mesmo tempo me sinto tão em paz, ao perceber quantas coisas aconteceram ao longo destes anos para que eu pudesse estar aqui agora, neste exato momento. Não importa se não tenho uma foto nas minhas mãos para tocar, eu posso sentir a energia deles vibrando em todo meu ser e será assim para sempre. É indescritível poder fazer esta reconstrução tão fascinante ao longo de tantas gerações. Sei que meus pais estão agora muito orgulhosos de verem suas histórias contadas e compartilhadas.
Eu, Jeanne Facundo Simão, filha de Maria das Graças Facundo Sousa e Francisco Airton Jucá Sousa, com muito amor dedico estas linhas a todos os que fizeram parte desta história e, em especial, à minha prima Conceição Jucá por tamanha generosidade e ao meu primo Mauro Jucá (in memoriam), cuja contribuição possibilitou este belo encontro com meus antepassados para poder transmiti-lo para meus filhos, Gabriel e Natanael, e eles, para as gerações que virão.
Que assim seja.
Esta história foi escrita por Sandra Tello, autora do projeto Amaridades baseada nos relatos e fotos encaminhadas por Jeanne Facundo Simão, em homenagem a seus antepassados.
Histórias importam, histórias precisam ser contadas.