Tem flores que só é possível enxergar quando deliberadamente nos curvamos e numa reverencia, as encontramos na imensidão verde ou cinza, no mesmo nível dos pés. Algumas parecem frágeis de longe, outras são de fato muito delicadas, também há inúmeras espécies que nascem e se espalham por todos os lados. Tem algumas raras, com frequência nem chegamos a identificar, algumas nascem próximas de arames ou blocos de cimento que delimitam a passagem, mas jamais a beleza nem o toque de quem quiser tocar.

Assim é andar por Botafogo, um bairro repleto de prédios, lojas e colégios, assim como consultórios, bares e restaurantes. É um bairro antigo e muito charmoso, ele abriga mansões nos imensos quarteirões que dividem esse complexo espaço, morros coloridos e becos onde é possível encontrar cinemas, livros e até feiras. Aqui não falta nada, tem palmeiras, micos e praias e para quem ainda duvida, até um Pão de Açúcar para escalar.

 

 

Por aqui passam multidões pelas ruas, caminham barulhentas de um lado para outro, sobem e descem calçadas com pressa. Alguns, às vezes, param para conversar ou perguntar alguma coisa, outros, de dentro dos carros ou das lojas mesmo, só querem observar quem passa ou quem está ali para vender. Como o José.

São muitos Josés, assim como Paulos, Franciscos, Antônios e Carlos, mas este é digno de conto, para quem gosta de histórias que nascem lá longe e de repente chegam até aqui.

José cortando fígado enquanto seu freguês espera calmamente

 

José Freire tem avô português, Aurelino e avó francesa, Francelina, mas foi mesmo no Espirito Santo que ele nasceu em 1936, mas não por muito tempo ali ficou.

O Rio de Janeiro conquistou seu coração, por isso nunca mais voltou. Casou, ficou viúvo e voltou a casar, desta vez com a Maria.

Seus filhos o presentearam com quatro netos e apesar de não morarem perto, sempre dão um jeito de se encontrar. Ele mora no Vidigal e faz questão de caminhar pela ciclovia até o Leblon.

Há 36 anos, religiosamente 3 vezes por semana, ele chega cedo empurrando seu carrinho, abre cuidadosamente a barraca azul e na mesma esquina se prepara para cortar, limpar e vender o fígado fresco que recebe do fornecedor. Crianças, jovens e adultos tratam anemias, repõem o ferro, ou simplesmente se deliciam com as receitas suculentas deste alimento no prato.

Aos 83 anos seu traje é inconfundível, um impecável colete branco acompanhado de uma charmosa boina da mesma cor. Com modéstia fala da satisfação de ser um homem muito trabalhador e das amizades que conquistou ao longo destes anos, neste mesmo local.

 

Quantas pessoas, assim como o José, tem pelos inúmeros bairros da cidade, dedicando suas vidas a atividades tão dignas e necessárias e na maioria das vezes, nem notamos ou paramos para agradecer. 

Posso dizer que me considero uma pessoa de sorte. Consegui registrar este momento tão especial antes do José decidir parar. Em breve, seu espirito empreendedor o levará para junto de sua mulher Maria, de 65 anos.

Sim, não há motivo para adiar seus sonhos, cumpriu com honra sua jornada vendendo fígado para os moradores de Botafogo e redondezas e agora abrirá um pequeno ponto, talvez mais perto de casa, porque sua amada faz bolos, lasanhas, panquecas e empadas e é com ela que ele quer ficar.

Boa sorte Maria e José!!